Olá galera que visita este ponto fétido, blz?
Não sei se vocês sabem, mas, sou formado em ciências sociais e psicologia, hahahahaha.
Nunca postei nada aqui, pois entendia que minhas contribuições nestas áreas já tinham um local (escola e academia), fora que tem bastante coisa produzida nessas áreas. Porém, com o homeoffice dessa quarentena e demandas da educação, tive de fazer esse texto para minhas turmas. Infelizmente creio que a maioria não irá ler, visto a baixa adesão de alunos com o teleensino, logo, deixo esse texto aqui, para quem queira, sob Creative Commons, ou seja, pode usar, ler, distribuir, modificar, desde que não lucre e cite minha autoria.
Pandemia
de COVID19 e desigualdade social – um olhar pela sociologia
A sociologia é uma das
chamadas ciências sociais, ou seja, um grupo de ciências que
compreende, além da sociologia, a história, geografia,
antropologia, economia, psicologia social, ecologia, ou seja, um
grupo de ciências que tem por objetivo compreender e prever as
consequências das ações humanas.
A missão da sociologia é
buscar compreender como funciona a sociedade e ofertar possíveis
apontamentos para as causas dos problemas sociais, tendo aí diversos
caminhos para tal, como entender pela via história, econômica,
cultural, etc. Seu nascimento esta atrelado tanto às mudanças
econômicas e sociais dos séculos 18 e 19, onde a Revolução
Industrial trouxe novas formas de lidar com o trabalho
(fábricas), e isto levou, também, à mudanças na economia
(capitalista) e nas cidades, que tinham cada vez mais fábricas e
mais trabalhadores, levando a formação de novos bairros com
estruturas precárias, as periferias. Os problemas decorrentes
da revolução industrial, como acesso a trabalho, industrialização,
péssimas condições sanitárias dos trabalhadores nas periferias,
leva a problemas sociais, como epidemias, mortalidade infantil,
greves e motins. A sociologia surge no esforço de compreender essa
nova sociedade, apontar consequências e possíveis soluções para
os problemas sociais.
Émile Durkheim, um dos
“pais” da sociologia, buscava compreender o que mantêm a
sociedade funcionando, e ele chegou a conclusão que a solidariedade
entre os indivíduos que mantém o funcionamento da sociedade, seja
numa esfera mais próxima (família, comunidade), seja numa esfera
maior, como interagir com as instituições sociais. Durkheim pensava
a sociedade como um corpo vivo, fazendo uma analogia onde as
ruas são as veias, e, cada instituição social, um órgão deste
corpo, e, quando algo interfere no funcionamento da sociedade, há
uma anomia, ou seja, uma “doença” que impede o bom
funcionamento do corpo/sociedade. Diversas instituições surgem para
dividir melhor o trabalho desenvolvido na sociedade e manter esse
funcionamento, tal como nos órgãos de um corpo, cada um com uma
função específica para manter o funcionamento do corpo. A essa
divisão e especialização do trabalho que Durkheim chamou de
solidariedade orgânica., ou seja, divisões tal como num
corpo para manter o todo.
Já Karl Marx, outro “pai”
da sociologia, entende a sociedade por um prisma das relações
econômicas, onde a sociedade é dividida entre aqueles que detêm os
meios de produção da riqueza social (burgueses – grandes
empresários, banqueiros, grandes fazendeiros), os que detêm uma
parcela ínfima do meio de produção da riqueza (pequeno burguês –
os donos de pequenos comércios) e, por fim, os que tem de vender
sua própria força de trabalho para outro para ter meios de viver
(proletário, ou seja, o trabalhador que é empregado de alguém). Na
sociologia de Marx, há um conflito, hora mais acentuado, hora menos
acentuado, entre a classe burguesa (que busca explorar mais os
trabalhadores em prol de lucro) e os proletários (que buscam
melhores condições de vida, e, tal objetivo entra em choque com o
que pretende a classe burguesa, que é os explorar mais). Na
sociologia de Marx, a desigualdade econômica já está posta, com a
classe burguesa tendo mais recursos que as outras.
Importante ainda destacar que
há varias formas de desigualdade social, algo que vimos em sala de
aula, e vale a pena ser relembrado, no caso:
- desigualdade social
econômica (uma classe tem mais recursos que a outra, o que leva
a um trato injusto)
-desigualdade social
geográfica (quem mora numa localidade tem um trato pior do que
quem mora em outro local)
-desigualdade
social etária (trata
de forma ruim um grupo que tem uma certa idade em relação ao outro.
Por exemplo, os idosos tem maior dificuldade de conseguir emprego que
os mais jovens, visto sua idade ser vista como problema para os
empregadores)
-desigualdade social de
gênero (trata um grupo com determinado gênero pior que outro.
Um exemplo visível cotidianamente é o machismo, que é o tratar as
mulheres como inferiores aos homens, exemplo claro de um tipo de
desigualdade social de gênero. Outro exemplo é a homofobia, que é
o tratar homossexuais de forma pior que os heterossexuais).
-desigualdade
social de saúde
(trata um grupo com uma determinada doença pior que os outros. Um
exemplo é o grupo dos soropositivos [portadores de HIV], que são
tratados de forma pior que os que não tem tal doença).
Mas, o que podemos
entender da sociedade hoje, com esses autores e ideias, no meio da
pandemia de corona vírus?
Primeiramente, temos de
pensar no como surgiu essa pandemia: ela surge na China, com o
Covid19 migrando de morcegos para humanos. Ou seja, temos um fato
biológico (o vírus, doença), que surge numa grande metrópole, em
um local (mercado) que, segundo dizem, tinha poucas condições de
higiene. Esse vírus se alastra e causa diversas mortes,
primeiramente na China, depois no resto do mundo, o que obrigou a um
funcionamento diferente da sociedade, onde, para evitar um maior
contágio e maior número de mortes, as pessoas tem de ficar de
quarentena. Países que não respeitaram a quarentena em seu início
(como a Itália, por exemplo) tiveram um alto número de mortes, o
que fez com que suas instituições sociais de saúde entrassem em
colapso (na Itália mesmo, foi preciso acionar o exército para
recolher corpos dos que morreram). Neste caso, já podemos pensar sob
um ponto de vista da sociologia de Durkheim, onde as instituições
sociais da saúde (lembrando que uma instituição social corresponde
a um “órgão” do “corpo” social), ao entrarem em colapso,
causam um mau funcionamento, ou seja, anomia! A ordem social
teve de ser mudada, as formas de interagir na sociedade mudam graças
a quarentena.
De um ponto de vista da
sociologia de Marx, no entanto, que podemos ver uma análise mais
profundada, à começar pela questão da relação de trabalho entre
burgueses, pequeno burgueses e proletários. Segundo Marx, se impõe
às ações humanas, primeiro, a realidade material, isto é, as
necessidades básicas do mundo, que irão influenciar na ideia sobre
o que fazer no mundo. Ou seja, a sociologia de Marx parte de uma
premissa materialista, onde tudo o que é material (e aqui
pensamos o econômico) influência o imaterial (cultura, ideias), e,
o contexto de Covid19 impõe-se de forma material.
O isolamento é feito
pensando de forma à não morrer mais pessoas, e isso impacta na
produção de riqueza (toda riqueza é gerada pelo trabalho humano),
e, novas relações de trabalho surgem, como o teletrabalho (o
qual nós, professores, estudantes e diversos tipos de profissionais,
estamos submetidos), no entanto, o teletrabalho não é aplicável à
todas as funções, o que gera inúmeras paralisações (exemplo: o
setor de comércio e transporte, que não atende mais tantas pessoas
devido às medidas de isolamento social, logo, não tem tanta geração
de riqueza).
De acordo com Marx, a classe
proletária (trabalhadores), não tem meios de gerar as riquezas
sociais, e, para poderem sobreviver, tem de vender seu trabalho à
outra classe (em geral, a burguesa, mas, também, a pequena
burguesa), porém, com a atual pandemia, com a paralisação e
quarentena, como irão vender sua força de trabalho? Diante disso,
há algumas divisões, no caso, os trabalhadores que tem de ir ao
trabalho remoto (em geral, os que envolvem maior capacitação –
isto é, estudo), e, os que vão para o trabalho nas funções
presenciais, o que envolve cuidados da parte de não ter contato com
o público, e, se for necessário (como profissionais de saúde,
entregadores e diversos prestadores de serviço), que o contato seja
o mais reduzido possível. Porém, para uma grande parcela dos
trabalhadores, não há ocupação possível durante essa quarentena,
e são dispensados de suas funções. Ou seja, há o aumento do
desemprego, menos dinheiro para algumas classes, o que agrava a
desigualdade social econômica!
Também há o problema do
público já afetado pelas desigualdades sociais econômicas e
geográficas e a Covid19. Em localidades como favelas e cortiços,
por exemplo, não há como manter o isolamento social de forma
satisfatória, visto a condição de moradia serem precárias .
Também não é possível manter a higiene, afinal, onde não há
água encanada e o esgoto corre à céu aberto, sabão e álcool pode
ser um luxo, tal como noticiado em diversos sites e vídeos. A falta
de dinheiro faz com que uma parcela significativa de pessoas tenham
de ir buscar sustento, o que aumenta ainda mais as chances de
contágio. Tais dados se mostram nos últimos dados do governo do
estado de São Paulo, onde mais pessoas de periferia estão à morrer
de Covid19 que as pessoas periféricas. Medidas como o auxílio de
R$600 que o governo federal lançou são inevitáveis para evitar uma
tragédia ainda maior, apesar de haver já denuncias de
irregularidades para conferir o auxilio. De toda forma, podemos ver
que, onde há maior desigualdade social econômica e geográfica
(periferias), há maior mortalidade, e isso se reflete nos números
do governo.
Com um aumento do número de
casos, mais leitos de hospitais são ocupados, até chegar o ponto
(que já ocorre nos hospitais da cidade de São Paulo) onde os
médicos escolhem quem tem mais chances de viver para tratar (os que
tem menor chance são sedados e deixados para morrer). Não tendo
condições de atender a todos, há o colapso do sistema de saúde.
Claro que isto mostra, também, a desigualdade, como em estados do
norte do Brasil, onde os mais ricos (burgueses) pagaram por aviões
UTI para fugirem em meio à pandemia, enquanto que, aqueles que são
mais pobres, foram relegados ao superlotado Sus e provável morte. Ou
seja, a pandemia não é democrática como alguns alardearam, pelo
contrário, ela é injusta, e penaliza aqueles que não tem acesso e
condições de combater seu progresso.
Portanto, com esse breve
olhar da sociologia sobre a pandemia, podemos destacar os seguintes
aspectos:
- ela não é democrática,
afetando e matando aqueles que são mais afetados pelas desigualdades
sociais econômica e geográfica;
- ela afeta o funcionamento da
sociedade, afetando a economia e as relações de trabalho, portanto,
sob um aspecto Durkheimiano, ela causa uma anomia na sociedade;
- afeta as formas de interação
social, impedindo a socialização das pessoas;
- ela agrava as desigualdades
econômicas e sociais, limitando ainda mais o acesso à empregos e
agravando os problemas onde as condições sanitárias são
precárias;
- como a taxa de mortalidade é
mais alta entre os idosos, ela aprofunda a desigualdade etária.
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