quinta-feira, 21 de maio de 2020

Pandemia de COVID19 e desigualdade social – um olhar pela sociologia


Olá galera que visita este ponto fétido, blz?
Não sei se vocês sabem, mas, sou formado em ciências sociais e psicologia, hahahahaha.
Nunca postei nada aqui, pois entendia que minhas contribuições nestas áreas já tinham um local (escola e academia), fora que tem bastante coisa produzida nessas áreas. Porém, com o homeoffice dessa quarentena e demandas da educação, tive de fazer esse texto para minhas turmas. Infelizmente creio que a maioria não irá ler, visto a baixa adesão de alunos com o teleensino, logo, deixo esse texto aqui, para quem queira, sob Creative Commons, ou seja, pode usar, ler, distribuir, modificar, desde que não lucre e cite minha autoria. 


Pandemia de COVID19 e desigualdade social – um olhar pela sociologia


A sociologia é uma das chamadas ciências sociais, ou seja, um grupo de ciências que compreende, além da sociologia, a história, geografia, antropologia, economia, psicologia social, ecologia, ou seja, um grupo de ciências que tem por objetivo compreender e prever as consequências das ações humanas.
A missão da sociologia é buscar compreender como funciona a sociedade e ofertar possíveis apontamentos para as causas dos problemas sociais, tendo aí diversos caminhos para tal, como entender pela via história, econômica, cultural, etc. Seu nascimento esta atrelado tanto às mudanças econômicas e sociais dos séculos 18 e 19, onde a Revolução Industrial trouxe novas formas de lidar com o trabalho (fábricas), e isto levou, também, à mudanças na economia (capitalista) e nas cidades, que tinham cada vez mais fábricas e mais trabalhadores, levando a formação de novos bairros com estruturas precárias, as periferias. Os problemas decorrentes da revolução industrial, como acesso a trabalho, industrialização, péssimas condições sanitárias dos trabalhadores nas periferias, leva a problemas sociais, como epidemias, mortalidade infantil, greves e motins. A sociologia surge no esforço de compreender essa nova sociedade, apontar consequências e possíveis soluções para os problemas sociais.
Émile Durkheim, um dos “pais” da sociologia, buscava compreender o que mantêm a sociedade funcionando, e ele chegou a conclusão que a solidariedade entre os indivíduos que mantém o funcionamento da sociedade, seja numa esfera mais próxima (família, comunidade), seja numa esfera maior, como interagir com as instituições sociais. Durkheim pensava a sociedade como um corpo vivo, fazendo uma analogia onde as ruas são as veias, e, cada instituição social, um órgão deste corpo, e, quando algo interfere no funcionamento da sociedade, há uma anomia, ou seja, uma “doença” que impede o bom funcionamento do corpo/sociedade. Diversas instituições surgem para dividir melhor o trabalho desenvolvido na sociedade e manter esse funcionamento, tal como nos órgãos de um corpo, cada um com uma função específica para manter o funcionamento do corpo. A essa divisão e especialização do trabalho que Durkheim chamou de solidariedade orgânica., ou seja, divisões tal como num corpo para manter o todo.
Já Karl Marx, outro “pai” da sociologia, entende a sociedade por um prisma das relações econômicas, onde a sociedade é dividida entre aqueles que detêm os meios de produção da riqueza social (burgueses – grandes empresários, banqueiros, grandes fazendeiros), os que detêm uma parcela ínfima do meio de produção da riqueza (pequeno burguês – os donos de pequenos comércios) e, por fim, os que tem de vender sua própria força de trabalho para outro para ter meios de viver (proletário, ou seja, o trabalhador que é empregado de alguém). Na sociologia de Marx, há um conflito, hora mais acentuado, hora menos acentuado, entre a classe burguesa (que busca explorar mais os trabalhadores em prol de lucro) e os proletários (que buscam melhores condições de vida, e, tal objetivo entra em choque com o que pretende a classe burguesa, que é os explorar mais). Na sociologia de Marx, a desigualdade econômica já está posta, com a classe burguesa tendo mais recursos que as outras.
Importante ainda destacar que há varias formas de desigualdade social, algo que vimos em sala de aula, e vale a pena ser relembrado, no caso:

- desigualdade social econômica (uma classe tem mais recursos que a outra, o que leva a um trato injusto)
-desigualdade social geográfica (quem mora numa localidade tem um trato pior do que quem mora em outro local)
-desigualdade social etária (trata de forma ruim um grupo que tem uma certa idade em relação ao outro. Por exemplo, os idosos tem maior dificuldade de conseguir emprego que os mais jovens, visto sua idade ser vista como problema para os empregadores)
-desigualdade social de gênero (trata um grupo com determinado gênero pior que outro. Um exemplo visível cotidianamente é o machismo, que é o tratar as mulheres como inferiores aos homens, exemplo claro de um tipo de desigualdade social de gênero. Outro exemplo é a homofobia, que é o tratar homossexuais de forma pior que os heterossexuais).
-desigualdade social de saúde (trata um grupo com uma determinada doença pior que os outros. Um exemplo é o grupo dos soropositivos [portadores de HIV], que são tratados de forma pior que os que não tem tal doença).

Mas, o que podemos entender da sociedade hoje, com esses autores e ideias, no meio da pandemia de corona vírus?
Primeiramente, temos de pensar no como surgiu essa pandemia: ela surge na China, com o Covid19 migrando de morcegos para humanos. Ou seja, temos um fato biológico (o vírus, doença), que surge numa grande metrópole, em um local (mercado) que, segundo dizem, tinha poucas condições de higiene. Esse vírus se alastra e causa diversas mortes, primeiramente na China, depois no resto do mundo, o que obrigou a um funcionamento diferente da sociedade, onde, para evitar um maior contágio e maior número de mortes, as pessoas tem de ficar de quarentena. Países que não respeitaram a quarentena em seu início (como a Itália, por exemplo) tiveram um alto número de mortes, o que fez com que suas instituições sociais de saúde entrassem em colapso (na Itália mesmo, foi preciso acionar o exército para recolher corpos dos que morreram). Neste caso, já podemos pensar sob um ponto de vista da sociologia de Durkheim, onde as instituições sociais da saúde (lembrando que uma instituição social corresponde a um “órgão” do “corpo” social), ao entrarem em colapso, causam um mau funcionamento, ou seja, anomia! A ordem social teve de ser mudada, as formas de interagir na sociedade mudam graças a quarentena.
De um ponto de vista da sociologia de Marx, no entanto, que podemos ver uma análise mais profundada, à começar pela questão da relação de trabalho entre burgueses, pequeno burgueses e proletários. Segundo Marx, se impõe às ações humanas, primeiro, a realidade material, isto é, as necessidades básicas do mundo, que irão influenciar na ideia sobre o que fazer no mundo. Ou seja, a sociologia de Marx parte de uma premissa materialista, onde tudo o que é material (e aqui pensamos o econômico) influência o imaterial (cultura, ideias), e, o contexto de Covid19 impõe-se de forma material.
O isolamento é feito pensando de forma à não morrer mais pessoas, e isso impacta na produção de riqueza (toda riqueza é gerada pelo trabalho humano), e, novas relações de trabalho surgem, como o teletrabalho (o qual nós, professores, estudantes e diversos tipos de profissionais, estamos submetidos), no entanto, o teletrabalho não é aplicável à todas as funções, o que gera inúmeras paralisações (exemplo: o setor de comércio e transporte, que não atende mais tantas pessoas devido às medidas de isolamento social, logo, não tem tanta geração de riqueza).
De acordo com Marx, a classe proletária (trabalhadores), não tem meios de gerar as riquezas sociais, e, para poderem sobreviver, tem de vender seu trabalho à outra classe (em geral, a burguesa, mas, também, a pequena burguesa), porém, com a atual pandemia, com a paralisação e quarentena, como irão vender sua força de trabalho? Diante disso, há algumas divisões, no caso, os trabalhadores que tem de ir ao trabalho remoto (em geral, os que envolvem maior capacitação – isto é, estudo), e, os que vão para o trabalho nas funções presenciais, o que envolve cuidados da parte de não ter contato com o público, e, se for necessário (como profissionais de saúde, entregadores e diversos prestadores de serviço), que o contato seja o mais reduzido possível. Porém, para uma grande parcela dos trabalhadores, não há ocupação possível durante essa quarentena, e são dispensados de suas funções. Ou seja, há o aumento do desemprego, menos dinheiro para algumas classes, o que agrava a desigualdade social econômica!
Também há o problema do público já afetado pelas desigualdades sociais econômicas e geográficas e a Covid19. Em localidades como favelas e cortiços, por exemplo, não há como manter o isolamento social de forma satisfatória, visto a condição de moradia serem precárias . Também não é possível manter a higiene, afinal, onde não há água encanada e o esgoto corre à céu aberto, sabão e álcool pode ser um luxo, tal como noticiado em diversos sites e vídeos. A falta de dinheiro faz com que uma parcela significativa de pessoas tenham de ir buscar sustento, o que aumenta ainda mais as chances de contágio. Tais dados se mostram nos últimos dados do governo do estado de São Paulo, onde mais pessoas de periferia estão à morrer de Covid19 que as pessoas periféricas. Medidas como o auxílio de R$600 que o governo federal lançou são inevitáveis para evitar uma tragédia ainda maior, apesar de haver já denuncias de irregularidades para conferir o auxilio. De toda forma, podemos ver que, onde há maior desigualdade social econômica e geográfica (periferias), há maior mortalidade, e isso se reflete nos números do governo.
Com um aumento do número de casos, mais leitos de hospitais são ocupados, até chegar o ponto (que já ocorre nos hospitais da cidade de São Paulo) onde os médicos escolhem quem tem mais chances de viver para tratar (os que tem menor chance são sedados e deixados para morrer). Não tendo condições de atender a todos, há o colapso do sistema de saúde. Claro que isto mostra, também, a desigualdade, como em estados do norte do Brasil, onde os mais ricos (burgueses) pagaram por aviões UTI para fugirem em meio à pandemia, enquanto que, aqueles que são mais pobres, foram relegados ao superlotado Sus e provável morte. Ou seja, a pandemia não é democrática como alguns alardearam, pelo contrário, ela é injusta, e penaliza aqueles que não tem acesso e condições de combater seu progresso.
Portanto, com esse breve olhar da sociologia sobre a pandemia, podemos destacar os seguintes aspectos:

- ela não é democrática, afetando e matando aqueles que são mais afetados pelas desigualdades sociais econômica e geográfica;
- ela afeta o funcionamento da sociedade, afetando a economia e as relações de trabalho, portanto, sob um aspecto Durkheimiano, ela causa uma anomia na sociedade;
- afeta as formas de interação social, impedindo a socialização das pessoas;
- ela agrava as desigualdades econômicas e sociais, limitando ainda mais o acesso à empregos e agravando os problemas onde as condições sanitárias são precárias;
- como a taxa de mortalidade é mais alta entre os idosos, ela aprofunda a desigualdade etária.


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